O
arranha-céu ia se chamar Osiris, em homenagem ao antigo deus egípcio, responsável
pela força do solo.
Apesar
da homenagem ao Egito antigo, a verdade é que a pior coisa que pode acontecer a
uma construtora é se deparar com um sítio arqueológico. Foi justamente o que
aconteceu com Justino. No momento das escavações, um operário se abaixou e
puxou alguma coisa da terra.
-
Que diabo é isso?
O
engenheiro ouviu, pediu pra ver. Ficou em dúvida.
-
Isso é um artefato, disse indeciso.
O
pedaço de cerâmica circulou de mãos em mãos, até que um pedreiro sentenciou, firme:
-
É um cachimbo.
O
óbvio só se torna óbvio depois que alguém descortina a obviedade.
-
É óbvio, disse o engenheiro.
E
tocaram a chamar o Iphan, para que tivessem uma pista de como o cachimbo fora
parar ali. E fizeram tudo isso sem avisar ao Justino, dono da construtora.
Quando Justino soube do imbróglio, o técnico do Iphan já havia diagnosticado
que o cachimbo era mesmo um cachimbo, e que, por suas formas e cores, devia ter
cerca de onze mil anos.
-
É um milagre.
-
É uma desgraça.
E
enquanto o técnico do Iphan (e o engenheiro) choravam de emoção diante da
antiguidade da peça, Justino chorava pensando no prejuízo de interromper a
obra.
Paciência,
Justino, o mundo não é justo.
Osiris,
o deus egípcio, talvez não quisesse que naquele solo se erguesse, em sua
homenagem, um edifício. Pelo contrário, queria que as escavações (agora mais
cuidadosas, feitas por arqueólogos) revelassem outros artefatos e um crânio
humano, sinais de que ali, há muitos anos, viveram pessoas. E porque ali havia
vestígios do passado, o terreno deveria ser respeitado. A obra foi embargada
por tempo indeterminado. Todas as noites, Justino se queixava para a sua
família, na hora do jantar:
-
Mas e o meu arranha-céu?
Ao
que sua filha, adolescente, respondia enfadada:
-
Ai, pai, arranha-céu, que coisa mais antiga.