tag:blogger.com,1999:blog-63816847384994935992024-03-18T07:12:26.848-07:00Cláudia Barral | blogCláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.comBlogger72125tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-14863778134514088792021-04-06T16:11:00.001-07:002021-04-06T16:11:39.403-07:00<br /><br />O apartamento ficou vazio uns dois meses. Antes, estava ocupado por uma influencer muito famosa que, no início do isolamento social, entrava em casa unicamente para performar a sua live que se chamava “Em Casa” e depois saia novamente. Mas a influencer percebeu (e isso foi um constrangimento para ambos) que não podia andar seminua pela casa sem invadir a privacidade dos vizinhos (eu incluído) que lavavam as suas roupas nas áreas dos fundos de suas próprias casas cujas janelas davam, justamente, para a sua sala de estar. A influencer, então, se mudou.<div> <br />Sempre causa surpresa quando a vida surge num lugar onde ela não havia. Foi com um susto que vi o apartamento até então vazio ocupado agora por muitos livros, decoração e uma moça sentada sobre uma mala. Ela parecia um quadro, tudo parecia etéreo. Não fosse o garotinho ruivo correndo e pulando no apartamento ao lado, como sempre estivera, eu ia achar que estava sonhando.</div><div> <br />Então, aconteceu: ela olhou para mim. Eu estava com o cesto de roupa suja na mão. Não era como se eu quisesse capturar a sua alma. A outra moça tinha milhões de seguidores numa rede social e não podia ser vista pelo vizinho. Meu olhar era realidade demais para ela? Um homem solteiro, comum, lavando a própria roupa durante uma pandemia, existe um filtro para isso? Além do mais, eu sabia que a vida dela era uma mentira. Ou melhor, eu sabia que o trabalho dela era mentir.</div><div> <br />A moça anônima que não se mostrava também não tinha o que esconder. É preciso conhecer um pouco da dor humana para sustentar o olhar de um estranho. A fama isola os famosos. Os subterrâneos, os mundos internos, a roupa suja, os fundos, nada disso se vê nas redes sociais ou no Olimpo. A moça anônima, com certeza, tinha um nome. E uma vida menos badalada, mas também interessante. Aliás, o que é uma vida interessante? É uma vida que interessa a muitos? Ou uma vida que interessa a quem a vive? Toda vida é interessante.</div><div> <br />No fim das contas, a influencer estava tão refém da própria imagem que não podia sequer ter um corpo. Acho que isso é muito para se perder. Já a moça nova me olhava com algum desinteresse comprometido, como se olha para um anônimo. E lá estava eu, parado, com um cesto de roupa suja, com medo de morrer, pensando com quantos seguidores se constrói uma prisão.</div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-20891674350608166502021-04-04T12:55:00.003-07:002021-04-04T12:55:37.568-07:00<p style="text-align: justify;">Eu estou escrevendo esse texto porque eu não suporto mais tanta morte. Eu estou escrevendo esse texto porque eu estou viva e, se estou viva, não posso me calar. Eu estou escrevendo esse texto em nome dos que não podem mais escrever texto algum. Eu estou escrevendo esse texto porque me recuso ao grito mudo do quadro de Munch, não, as palavras hão de servir, vão me servir, é preciso contar com as palavras, descansar sobre elas, elas hão de dizer. As palavras são poucas, pouquíssimas, diante da grandeza da vida, mas elas são fortes, são firmes, eu posso me apoiar nelas. Eu estou escrevendo esse texto porque quero que saibam que em algum lugar alguém está dizendo não. Alguém está dizendo vida. Alguém está dizendo cura. Alguém está dizendo cultura. Alguém está dizendo educação. Alguém está lançando palavras como sementes e ninguém e nada atrasa a primavera.</p><div style="text-align: justify;"><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-86475430852225840302021-04-04T12:53:00.001-07:002021-04-04T12:53:23.747-07:00<div><br /></div><br />Eu não tenho mais lágrimas, meus amigos, amores.<br />Eu não tenho mais amigos, minhas lágrimas, muitos se foram.<br />Eu não tenho mais amores, meus amigos, só lágrimas.<br />Eu só tenho amigos, amores. <br />Eu só tenho amor, meus amigos.<div><br /></div><div><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-15060249934378326262021-03-02T06:06:00.003-08:002021-03-02T06:06:41.047-08:00Tem algo ligeiramente constrangedor na insônia. O insone é aquela pessoa que chega numa festa de aniversário e não encontrando o aniversariante fica sem ter onde colocar o presente. No caso do insone, ele fica sem ter onde colocar o passado ou o futuro? O fato é que aquela questão (seja qual for) não deveria estar nas mãos dele àquela hora da noite.Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-49238447286528128022021-03-02T04:38:00.006-08:002021-03-02T04:38:55.203-08:00<br /><br />Refazer a vida como uma criança recomeça a construção do seu monte de areia na borda de um mar bravio. <br />Percorrer labirintos. Dormir no colo do Minotauro. <br />Buscar espaço como num útero.<br />Agarrar-se à vida como a cabelos. <div>Cravar-lhe as unhas, se for o caso. <div>Não temer o sangue da vida. Não tentar domá-la.<br /><br /></div></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-20802600243515921212021-01-23T14:09:00.000-08:002021-01-23T14:09:06.594-08:00Uma peça curta<div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: left;">Ela (chorando): O mundo tal qual conhecemos nunca mais vai ser o mesmo.</div><div><div style="text-align: left;">Ele (sorrindo): O mundo tal qual conhecemos nunca mais vai ser o mesmo.</div><div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Os dois param um tempo. Ela parece pensar.</div></div><div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Ela (sorrindo): O mundo tal qual conhecemos nunca mais vai ser o mesmo.</div><div style="text-align: left;">Ele (enquanto lhe escorre uma lágrima): O mundo tal qual conhecemos nunca mais vai ser o mesmo.</div></div><div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Os dois param um tempo. Se entreolham longamente.</div></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">FIM</div></div></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-50362916502453080832021-01-21T16:48:00.002-08:002021-01-21T16:48:34.393-08:00<p>Há os que se tornam muros</p>E já nada lhes atravessa.Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-71585464851669943392021-01-21T16:45:00.004-08:002021-01-21T16:45:55.622-08:00Um encontro <p></p><br /><div style="text-align: justify;">Hoje fui ao mercado e um menino me pediu pra comprar uma Coca Cola pra ele. Eu comprei e quando fui lhe passar a garrafa, ele deu um jeito de segurar a minha mão. Uma criança precisa segurar a mão de um adulto, às vezes. Isso é constitutivo. Eu segurei a mão dele tentando lhe garantir algum conforto, alguma segurança. Ficamos assim algum tempo, daí ele me largou. Espero que eu tenha sido uma boa mãe relâmpago pra ele, naquele breve encontro no mercado. Tem horas que a gente experimenta na carne que cada criança que nasce é responsabilidade da humanidade inteira e que existem esses poderosos pontos de intersecção que nos unem com a força dos séculos. Espero que a marca do afeto e do cuidado tenham sido profundamente introduzidas na alma daquele menino e que ele nunca esqueça que sempre haverá uma mão humana para lhe guardar. Quanto a mim, ele me salvou. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><br /><p></p>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-76199775122741096162020-07-01T15:56:00.001-07:002020-07-01T15:56:45.543-07:00Osiris<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
arranha-céu ia se chamar Osiris, em homenagem ao antigo deus egípcio, responsável
pela força do solo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Apesar
da homenagem ao Egito antigo, a verdade é que a pior coisa que pode acontecer a
uma construtora é se deparar com um sítio arqueológico. Foi justamente o que
aconteceu com Justino. No momento das escavações, um operário se abaixou e
puxou alguma coisa da terra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Que diabo é isso? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
engenheiro ouviu, pediu pra ver. Ficou em dúvida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Isso é um artefato, disse indeciso. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
pedaço de cerâmica circulou de mãos em mãos, até que um pedreiro sentenciou, firme:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
É um cachimbo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
óbvio só se torna óbvio depois que alguém descortina a obviedade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
É óbvio, disse o engenheiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">E
tocaram a chamar o Iphan, para que tivessem uma pista de como o cachimbo fora
parar ali. E fizeram tudo isso sem avisar ao Justino, dono da construtora.
Quando Justino soube do imbróglio, o técnico do Iphan já havia diagnosticado
que o cachimbo era mesmo um cachimbo, e que, por suas formas e cores, devia ter
cerca de onze mil anos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
É um milagre.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
É uma desgraça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">E
enquanto o técnico do Iphan (e o engenheiro) choravam de emoção diante da
antiguidade da peça, Justino chorava pensando no prejuízo de interromper a
obra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Paciência,
Justino, o mundo não é justo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Osiris,
o deus egípcio, talvez não quisesse que naquele solo se erguesse, em sua
homenagem, um edifício. Pelo contrário, queria que as escavações (agora mais
cuidadosas, feitas por arqueólogos) revelassem outros artefatos e um crânio
humano, sinais de que ali, há muitos anos, viveram pessoas. E porque ali havia
vestígios do passado, o terreno deveria ser respeitado. A obra foi embargada
por tempo indeterminado. Todas as noites, Justino se queixava para a sua
família, na hora do jantar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Mas e o meu arranha-céu?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ao
que sua filha, adolescente, respondia enfadada:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Ai, pai, arranha-céu, que coisa mais antiga.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></p><br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-86399267481121537812020-06-17T04:43:00.002-07:002020-06-17T04:43:52.370-07:0030 de abril<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">No
início do ano, era fevereiro, eu estava numa fila num self-service e a mulher a
meu lado virou pra mim:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Eu posso te dizer uma coisa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-Pra
mim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Sim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Claro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Em maio, estaremos mortos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Oi?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Eu e você. Em maio. Mortos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Não entendi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-A
pandemia vai nos atingir em março, em maio, eu e você...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Já sei! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Então, não coma a salada, como a lasanha. A lasanha é mais gostosa.<o:p></o:p></span></p><br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-31419575849837978622020-06-17T04:42:00.001-07:002020-06-17T04:42:13.450-07:00Saudade<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Hoje
me falam as palavras, me faltam as escadas, me falham as estradas. Hoje nada
faz sentido. Hoje seus medos me tocam como dedos, me colam os lábios. Tenho uma
cidade atravessada na garganta. Tenho muitas árvores. Tenho saudades da minha
terra, mas não quero nada do que me enterra. Desde que parti, sigo partida. Hoje
é sábado. E amanhã é dormindo. Hoje me traem as lembranças, me travam as mentiras,
me enlaçam, me enlevam, me lamento. </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Hoje
é o amargo, hoje é sábado, mas amanhã é sorrindo. </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"> </span></p><br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-17932416691323494272020-05-31T08:43:00.002-07:002020-05-31T08:44:10.057-07:00Séculos <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><a name="_Hlk41757185"><span style="background: white; color: #1c1e21; font-family: helvetica, sans-serif; font-size: 10.5pt; line-height: 150%;"><br /></span></a></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">S</span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">e
você é ator, ou atriz e esse texto te fala ao coração, ligue uma câmera, na
frente de um espelho e diga: que saudade do palco. Porque se você é ator, ou
atriz, deve estar com saudade do palco. O palco é o centro da vida. É onde ela
acontece com mais força. E a saudade do palco é terrível, eu mesma já senti
porque já fui atriz, mas ela morreu, a saudade, como morre o que a gente não atenta.
Agora você diz: eu sou a melhor parte de uma sociedade. Posso dizer isso sem
parecer arrogante porque essas palavras não são minhas, são de uma dramaturga
que as escreveu. Mas sou eu que decido como vou dizer. E isso é muito. </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">E o meu trabalho é um dos mais importantes porque
sou eu que represento como estamos vivendo. E isso é muito. Mas agora que não
há palco, eu ligo uma câmera diante de um espelho (o espelho representa o
público) e digo: o teatro está aqui porque o teatro é o meu corpo. Posso dizer
isso sem parecer arrogante porque essas palavras sequer são minhas, são de uma
dramaturga que as escreveu porque está precisando muito de teatro. E agora você
pode dizer: se sou ator, ou atriz, eu represento a beleza porque o meu corpo
está a serviço da arte. E posso dizer isso sem parecer arrogante porque todas palavras
do mundo são minhas e eu as pronuncio de determinada forma que as lanço através
dos séculos. </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> </span></p><div style="text-align: justify;"><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-73483820308656267272020-05-27T08:46:00.003-07:002020-05-27T08:48:30.946-07:00Apagão <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>(Armando
está lendo, Helena entra afobada) </i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Armando, por quê a tigela de comida do gato estava do lado da planta?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Não sei, Helena. Provavelmente, eu aguei o gato e alimentei a planta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
O que está acontecendo, Armando?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Eu estou confuso, Helena. Não aguento mais ficar preso em casa. Eu já li reli
toda a minha coleção de Tesouros da Juventude. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Me ajude a arrumar a casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Não quero, Helena. Não quero gastar energia com isso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Prefere gastar se angustiando, né?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Talvez! Eu tenho pensado muitas coisas... <span> </span>Por exemplo, agora há pouco, eu estava
pensando que não passamos de uma gigantesca colônia de bactérias. Todos nós. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Ai, meu Deus, Gustavo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Você me chamou de Gustavo? <span> </span>Você está me
traindo, Helena? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Não! É muito pior. Eu esqueci seu nome. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Meu nome é Armando, Helena!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Calma! Eu ando muito nervosa. Já são muitos dias trancados. Eu nem sei mais que
dia é hoje.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Nem eu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Deu um apagão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Eu sei como é. <span> </span>Calma. Vem cá. Me abraça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Essa pandemia expôs a nossa fragilidade, Armando. A gente não sabe o dia de amanhã.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Eu te amo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Amar é enlouquecer juntos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Que bonito isso. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><i><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">(A
luz se apaga)<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
O que foi isso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Um apagão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Armando, você lembrou de <span> </span>pagar a conta
de luz?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">- ...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></p>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-89465156667022085632020-05-19T09:34:00.002-07:002020-05-19T09:34:53.647-07:00Não faz Sentido <br /><div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">No meu país, começamos o
isolamento social em 16 de abril de 2020. Já estamos em 14 de junho de 2021 e
ainda não saímos. A maioria dos países estabeleceu um lockdown e conseguiu frear
o vírus, mas por aqui os políticos não quiseram comprar a briga com os
empresários e nós estamos em quarentena há mais de um ano. Vai ser necessário
que 100 milhões de pessoas peguem o vírus para que a gente consiga a imunidade
de rebanho. Ontem, 90 milhões de pessoas estavam contaminadas. Pra frente,
Brasil. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Eu não saio de casa há
oito meses. Ninguém conta mais. As noites se derramam e se misturam com os
dias. Nada faz sentido. Eu tenho conversado com alguns amigos que dizem que
nada fazia sentido aqui mesmo antes do vírus. Todo mundo já acabou com a Covid,
menos a gente. Mas nós também fomos os últimos e acabar com a escravidão. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Isso aqui está muito pessimista, eu sei. Mas faço
lives. I’m alive. Ainda. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">No início, as pessoas
diziam: vai passar. Mas daí, nos demos conta que a nossa vida também estava
passando. Isso não ajuda. É preciso tomar providências. O presidente pegou a
doença no fim de 2020. Ele fez um churrasco que vinha prometendo desde maio e
foi contaminado. Quando recebeu o resultado positivo saiu correndo pelas ruas
cuspindo nas pessoas e a polícia teve permissão para atirar. O vice assumiu em
seguida, mas não ficou muito tempo no cargo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Não sei quem é o presidente
atual. Há muito tempo não falo com ninguém. Esse país é muito esquisito. Esse
país me deixa com falta de ar. Esse país comprova que ignorância mata. Vai passar?
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-5053818768555831702020-05-14T06:01:00.000-07:002020-05-14T06:01:02.158-07:00Saudade<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eles
já não se viam há seis meses. Mas aí, veio a pandemia de Covid, o isolamento
social, e ele se pegou pensando nela. Ele tinha a desculpa perfeita para uma
reaproximação, o mundo estava acabando, queria saber como ela estava. Soou
educado. Ela não achou. Assim que reconheceu a voz dele do outro lado da linha,
desligou. Mas e se ele estivesse doente? Ligou novamente. Iniciaram um papo.
Combinaram de falar de novo amanhã.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Muita
coisa havia mudado nos seis meses em que estiveram afastados. Ela mudou de
emprego, ele adotou um cachorro. O peixe dela morreu. Ela tinha um peixe?
Tinha, mas comprou depois que já tinham terminado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Qual era o nome do peixe? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Saudade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
nome do peixe não era saudade. Era Cirilo. Mas ela já tinha tomado algumas
taças de vinho e achou que ficaria bonito dizer aquela palavra. Ele entendeu o
recado. Na ligação seguinte, foi direto ao ponto:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">-
Como você está vestida?</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
partir daí muitas palavras quentes se derramaram. Por muitas horas. Por muitos dias.
E vieram as juras de amor. Nada será como antes. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Acabou
a pandemia. Combinaram de se encontrar. Foram muito felizes por duas semanas.
Até que, exatamente como da última vez, na mesma sorveteria (ah, essas coisas se
repetem) ele fez um comentário sobre um barulho que ela fazia quando tomava
sorvete. O mesmo comentário da briga anterior. Ele nem lembrava. Ela não
admitia, não se fala esse tipo de coisa. Ele não tem respeito pelos outros. Ela
não tem humor. É uma chata. É um grosseiro. É insuportável. Vamos ficar por aqui.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Logo agora que podemos nos ver...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Pois é. Romeu e Julieta já nos mostraram a força de um amor proibido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ele
era professor de literatura inglesa. Ela sorriu. Talvez se tornassem amigos. Na
próxima pandemia. <o:p></o:p></span></p><br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-23302988396189404472020-05-11T11:09:00.003-07:002020-07-06T16:12:03.615-07:00A Princesa Coroada<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Eles
já estavam há setenta dias no mar. A Princesa Coroada singrava os mares grávida
de mil quatrocentos e vinte tripulantes de várias nacionalidades que partiram da
África do Sul rumo às Ilhas Gregas, mas que tiveram, por força da pandemia de
Covid-19, que alterar a rota para o Brasil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Presos
na embarcação, os tripulantes já não eram mais companheiros de viagem. Se
tornaram irmãos. E, como irmãos, tinham que se suportar. As brigas eram inúmeras
e por qualquer motivo. O stress da situação, o confinamento, a incerteza, o
medo faziam com que palavrões fossem berrados a todo momento, em muitos idiomas.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Emílio
e Sara estavam na cabine sessenta e seis e há muitos dias não saiam. Foi a Armênia que, num
momento de tédio extremo, falou em inglês um pouco alto, de forma que várias
pessoas no convés da piscina ouviram: onde está aquele casal simpático, os
brasileiros? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Quais brasileiros? Perguntou uma espanhola.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Emílio e Sara. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Mas
Emílio e Sara já dormiam, de mãos dadas, na cabine. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Dias
antes, Emílio conversou seriamente com Sara, sobre a sua decisão. Claro que
quando saíram do Brasil, o plano não era esse. Mas quando saíram do Brasil, o
plano também não era errar sem porto, o plano não era uma pandemia. O fato é que
agora estavam os dois velhos, num barco, sem ter onde aportar. Estavam os dois
velhos, apaixonados, no meio do mar. Estavam os dois velhos, aterrorizados, no
meio de um caos. No meio de um sonho de conhecer as ilhas gregas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Emílio
disse para Sara que queria navegar outros mares mais misteriosos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
São oitenta e seis anos, Sara, de busca. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Emílio
se calou e olhou o mar. E agarrou a mão da esposa. O casamento que o ajudou a
atravessar os anos, as tempestades dos anos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Emílio era um barco singrando o tempo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
E agora chega. Estou cansado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Sara
sentiu que o desespero ia toma-la. Ela queria se atirar nos braços dele. Mas
ele abriu um sorriso tão brilhante, que a desarmou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;">-
Eu vou contigo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Não...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Emílio
tentou argumentar, mas não havia o que ser dito. Viver é poder decidir. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O
encarregado, depois de pedir licença muitas vezes, resolveu abrir a porta da
cabine 66. Ao ver a cena, dirigiu-se ao comandante e explicou a situação. O
comandante disse, apenas:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Ainda mais essa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Ao
descer para a cabine, o homem não podia deixar de pensar nas questões práticas.
Mas Emílio havia deixado um bilhete, junto com os passaportes, com
recomendações claras: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Por favor, nos lancem ao azul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Isso
tranquilizou o comandante. Mas em seguida ele ficou por intranquilo por ter
ficado tão tranquilo diante dos corpos e começou a chorar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Foi
nesse exato momento que um viajante entrou na cabine e viu a cena. A notícia se
espalhou como cinzas ao vento. Em pouco tempo, todos vieram, se amontoaram. Estavam
Emílio Francisco Ribas e Sara Santos de Alencar, vestidos com suas melhores
roupas, ele com terno branco que ia passar o réveillon nas ilhas gregas, ela
com o vestido rosa guardado para a mesma ocasião, abraçados na cama. Na mão dela
havia uma flor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O
silêncio no quarto só era interrompido por algumas interjeições de espanto e
pesar, até que um francês despejou algumas palavras: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Isso é que é amor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">A
Armênia protestou, veemente: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Isso não tem nada a ver com amor!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;">-
É falta de fé. Disse um italiano.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Amor não tem nada a ver com isso, prosseguiu a Armênia. Ora, veja só. Eu tenho
setenta e seis anos, imagine se eu vou... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">E
se calou diante do horror do pensamento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">A
partir daí, sugiram muitos debates na embarcação. O certo, o errado, o fim, os
inícios, tudo colocado em xeque. Enquanto vagavam pelo mar esperando algum
porto que os acolhesse, todos os passageiros colocaram a própria vida em
retrospectiva. Parar ou seguir? Essa parecia ser a única questão filosófica
relevante, lembrou um francês. A questão da felicidade também foi amplamente
debatida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Quando
avistaram a costa brasileira, um russo lembrou os versos de Maiakovski:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Emílio e Sara eram brasileiros, lembrou alguém. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Idiotas. A Armênia ainda não os tinha perdoado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Mas
todos os outros passageiros no convés sorriram um sorriso de fim de tarde. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Atualmente,
a Princesa Coroada, transatlântico com mil quatrocentos e vinte passageiros
menos dois, se encontra ancorada na cidade de Salvador, na Bahia de Todos os Santos.
A maioria dos passageiros gosta desse nome. Eles ainda não têm autorização para
desembarcar, mas as brigas cessaram. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-37238302396995712882020-05-11T10:20:00.001-07:002020-05-11T10:20:25.158-07:00(Des) Encontros<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eles
se conheceram na farmácia. Um desencontro. Ele tentava comprar cloroquina, um
medicamento perigoso, porque havia visto na Tv que a substância, talvez,
eliminasse o vírus da Covid-19. Quem poderá ser julgado por ter medo de morrer?
Mas, ela a seu lado no balcão da farmácia, julgou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Pra que você quer esse remédio?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ele
pensou em responder “não te interessa”, mas quis ser simpático:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Eu vi na TV...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ela
interrompeu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Tem gente que precisa desse remédio de verdade, sabia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ora,
ele também precisava. Ou podia precisar. Vai saber. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Mas
ela continuou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Esse remédio tem um monte de efeito colateral. Eu sei porque a minha tia usa.
Ninguém toma cloroquina de forma preventiva. Só um imbecil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Só
um imbecil. Essa foi a frase que ficou ecoando na cabeça dele, enquanto ela já
tinha virado as costas e se afastado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
eco só foi interrompido pela voz do atendente da farmácia: não tem mais
cloroquina. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ele
voltou para casa e deu continuidade a seu novo esporte: observar as casas dos
vizinhos. De repente, no prédio em frente, a silhueta de uma moça lhe chamou a
atenção. Bonita, de cabelos presos, ela falava ao telefone. Ele não tinha
reparado nela antes. Agora não conseguia parar de olhar. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Lentamente,
começou a notar que ela parecia muito com a moça da farmácia, a que o havia
chamado de imbecil. Era ela. Que coincidência. Tão improvável como a pandemia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Começou
a sentir falta de ar, calafrios. Era o amor ou o vírus? Se apaixonar na quarentena,
só um imbecil faria isso. Mas se não agora, então quando?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Passou
a noite em claro. Pensando. Mas dessa vez, não em catástrofes, mas no corpo
dela. Próximo e distante. Será que ela estava respeitando o isolamento social?
Estava na farmácia, um lugar contaminadíssimo. Será que ela ia aceita-lo,
depois do infeliz episódio com a cloroquina? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>De qualquer forma, já não pensava na morte
iminente, mas na vida. Estava curado. Pelo menos do medo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">No
dia seguinte, logo pela manhã, ela tomava café, encostada no balcão da cozinha.
Ele, sem inibições, gritou. Seu gritou atravessou o ar mais ou menos silencioso
da manhã:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Oi!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ela
ouviu. Buscou com os olhos a voz. Seus olhos se encontraram, na distância. Ela
tomou um susto. Se aproximou do peitoril da janela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Se lembra de mim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Um
outro vizinho gritou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Silêncio!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ela
forçou os olhos, ele resolveu ajudar:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
O imbecil da cloroquina! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ela
demorou, mas lembrou. Talvez aquela não fosse a melhor forma de se apresentar. Ela
sorriu, sem graça, e fechou as cortinas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Na
manhã anterior, ela havia ido até a farmácia para comprar um cosmético
absolutamente desnecessário. Mas quem pode julgar as necessidades alheias? A
jornada humana se compõe nos detalhes. Um bom shampoo pode trazer segurança. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">E
na farmácia, ela se deparou com um completo imbecil. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Logo
em seguida, o namorado ligou e terminou com ela, por telefone. Ela estava
sozinha, insegura. O shampoo novo não atenuou nada, algumas coisas exigem
outras respostas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">E
agora, o imbecil, estava do outro lado da rua, eram vizinhos. E quem sabe o que
pode sair daí? Ela afastou a cortina e deu uma olhada, ele ainda estava lá. Que
improvável. Esperava alguma coisa. Ela também esperava alguma coisa. Algo lhe
faltava. Ela abriu a janela, encheu o peito de ar e gritou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Oi!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">(Esse
conto acaba aqui porque a partir de agora são infinitas as possibilidades, todo
fim é brusco e o futuro, realmente, não sabemos). <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p><br />Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-87056014423254259982020-05-11T10:17:00.000-07:002020-05-11T10:17:14.028-07:00Jandira<br /><div><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eu
não sabia que marimbondos mexiam o pescoço. Mas ela virou o rosto em minha
direção, a mamãe marimbondo, quando eu inventei de molhar a planta sob a qual
ela estava construindo o ninho dela, na minha varanda.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Nos
encaramos. Duas mães com suas crias. Havia uma música de faroeste na minha
cabeça, na dela, minúscula, não posso afirmar o que rolava. Ou posso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Tive
uma identificação imediata com o minúsculo inseto, ela era tão próxima, uma mãe
protegendo a sua casa, e tão distante, um inseto com um ferrão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Meu
primeiro impulso foi matar. Em nome do amor, claro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Ela vai ter que sair.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Por que, mamãe?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Porque esse bicho morde. É a nossa casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
É a casa dela também.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Como
chegamos a isso? Uma casa dentro da outra? A casa dela dentro da minha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
inseto cercado de ovos, em sua engenhosa casa de barro. Os olhos da minha cria
estavam iluminadíssimos pela curiosidade, pelo perigo. Então fizemos o que os
humanos fazem, a única saída para a nossa violência irracional: nomeamos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Ela vai se chamar Jandira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Jandira
não se mexeu. Seus minúsculos olhos fixados em mim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Ela pode morar com a gente? Minha filha perguntou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Na
minha cabeça, vieram outras perguntas: mas e quando os filhotes dela nascerem?
E se nos morderem? E se?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Jandira
estava imóvel, era como se me alertasse: não se constrói uma casa assim, no
medo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eu
entendi. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E ambas voltamos para as outras
atividades que exigem a nossa coragem. E que na maternidade são muitas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></p><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-35015757065495760802020-05-11T10:09:00.003-07:002020-05-11T10:11:14.371-07:00O Pássaro<div><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;"> </span></div><div><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;"><br /></span></div><div><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;">- Socorro, socorro!</span></div><div>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: left;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Ouço
os gritos vindos da sala. Ouço um barulho difuso. Enquanto me dirijo pro local,
já vou pensando que, dependendo da magnanimidade do acidente, teremos que ir ao
hospital que é super contaminado então, meu Deus, que não seja nada grave, o
clima é de pandemônio, com o perdão do trocadilho, em meio à pandemia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">A
cena, quando entro na sala é a seguinte: a menina vestida de shorts jeans e
blusa cinza, muito ofegante, diante de um pássaro cinza, também muito ofegante.
Estão um em frente ao outro, são muito parecidos: pequenos, frágeis, frescos. É
quase como se a alma da criança tivesse se desdobrado em pássaro.<span> </span>A menina percebe que eu entrei na sala e me
diz, em tom mais baixo, discreto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Socorro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Ele não faz mal. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Sem
o filtro do susto, a menina olha novamente para o pássaro. Estuda. Agora somos
três confinados, sem poder voar. A menina e eu estamos lutando com os dias,
trabalhando a nossa resiliência, alternando os nossos sintomas. Todo pássaro é
um pássaro. Já uma pessoa é um livro de histórias. Em mim, a claustrofobia
começa a dar sinais a cada manhã mais claros, mais incontornáveis. Penso no mar
com desejo, com saudade. A menina experimenta suas várias idades, cresce e me explica
cientificamente como se comportam os vírus, depois volta a ser um bebê no meu
colo. Vive seus vários tempos. As crianças vivem o tempo todo. E também gostam
de ficar no ninho. Somos nós, os adultos que devemos lhes dizer:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
Tem que escancarar essas janelas! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O
marido vem como se entendesse tudo: o pássaro entrou pela janela sem querer.
Ele pode sair, nós ainda não.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O
marido abre a janela ruidosamente: vento, vento de outono. O pássaro vai
embora, voa. Nós três nos olhamos. Já sabemos o que é o amor: ventania. Já, já
chega a nossa vez. Nós também sairemos, em breve. Mais fortes. <o:p></o:p></span></p><br /></div>Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-35159938326062461532016-09-25T07:03:00.001-07:002016-09-25T07:05:12.712-07:00Poema do Sábado<br />
<br />
Te amo no sábado<br />
Com a preguiça dos domingos,<br />
Te amo segunda,<br />
Com o tédio das quintas,<br />
Com a fúria das sextas.<br />
E na indecisão das quartas,<br />
Te amo com esperança.<br />
<br />
<br />
O meu amor não obedece a calendários.<br />
Te amo como se todos os dias fossem sábados,<br />
Como se todos os dias fossem claros.<br />
Como se não houvesse os dias,<br />
Como se os sábados fossem luas<br />
E girassem livres no firmamento.<br />
Como se não devesse contá-los,<br />
Como se não precisasse repetir que<br />
<br />
<br />
Te amo nas sextas<br />
com o terror dos domingos<br />
E que te amo aos domingos<br />
sob o sol dos sábados<br />
E que te amo nas quintas como se houvesse folga<br />
E que te amo nas quartas como amei nas segundas<br />
E que te amo com esperança.Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-44817759253195158932015-09-22T17:27:00.003-07:002015-09-22T17:27:38.960-07:00<div class="MsoNoSpacing">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing">
A nossa vida,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNoSpacing">
Tecido sutil<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNoSpacing">
Que um dia há de rasgar-se.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNoSpacing">
<br /></div>
Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-9169278836884917572014-12-22T13:14:00.002-08:002020-05-11T10:12:30.383-07:00Caminho<br /><br />O amor é uma conquista estranha.<br />Quem mais precisa menos sabe pedir.<br /><br />Quem viu o amor, em outros tempos,<br />Pode sempre reconstruir o caminho de volta a ele.<br /><br />Quem nunca viu, quem nunca teve,<br />É desastrado nessa viagem de encontro ao outro,<br />Fica perdido no nevoeiro solitário de si,<br />Não sabe chamar, ou pedir,<br />Já que traz consigo a experiência de nunca ter sido escutado.Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-34355141875204032362014-12-21T09:17:00.002-08:002014-12-21T09:19:18.245-08:00Um Conto de Natal <div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
A mulher e a menina entram no café de mãos dadas. Elas se sentam e rapidamente a menina escorre para debaixo da mesa. Tudo a diverte: a sujeira do chão, o pé de acrílico da mesa, o sapato da mulher. O lugar está vazio, é noite de natal e as pessoas estão em casa comendo, trocando presentes. As costas da mulher doem, a menina não pára quieta. Agora, seus olhinhos percorrem as outras mesas. A mulher sorve um café e a criança ali é o seu erro materializado. A menina é um mistério cruel. É pequenininha, o acidente, e olha o mundo atenta, como se estivesse sorrindo. O garçom traz um bolinho, a mãe grita o nome da menina, ela vem correndo, abocanha um pedaço do bolo e volta a correr. A operação ainda se repete algumas vezes. A mulher, impaciente, ordena que a menina sente para comer. De repente, de tanta agitação de vida no seu peito, a pequena desequilibra-se e cai da cadeira. Na queda ainda bate a cabecinha na quina da mesa. É a visão do filetinho de sangue que a faz gritar, o machucado mesmo não doeu. A mulher limpa a testa da criança com os guardanapos de papel. Acabou o passeio. O garçom traz a conta, olha a menina com simpatia. Ela toda vermelhinha, os olhos ainda úmidos. Quando o garçon se afasta, a mulher aproxima os lábios da orelha da menina e a voz sai seca, sincera: “Eu preferia que você não tivesse nascido.” O pequeno corpo estremece, mas é difícil dizer se ela compreendeu o sentido do que lhe foi dito, ou se apenas a música cortante da fala da mãe. Por um momento, se olham como se fossem estranhas. Eu sinto vontade de pegar a criança no colo, de lhe acariciar os cabelos, de lhe contar a história maravilhosa de uma menina que nasceu para a alegria dos pais, para salvar a humanidade. O garçom me interpela, diz que já estão fechando. Ele espera uma reação e eu peço a conta. A mulher sai do café levando a menina pela mão, mas ela liberta a mãozinha e sai correndo pela calçada. Talvez a fala da mãe não a tenha tocado, talvez ainda possa salvar-se, ou eu apenas imagino isso porque é natal e as ruas estão iluminadas. A menina desaparece ao dobrar uma esquina, vai formando-se a cada passo, metal quente, maleável. A mãe a segue fria na noite escaldante.</div>
Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-42789679446302135522014-12-17T05:20:00.002-08:002014-12-17T07:33:43.456-08:00Espelhos <div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<br />
Se estivéssemos todos numa sala
sem espelhos e cada um de nós levasse um número pregado nas costas, seríamos capazes
de ver o número nas costas do outro, mas não seríamos capazes de adivinhar o nosso
número. Para isso, precisaríamos que alguém visse e nos contasse. Estamos na
vida, mais ou menos, como estaríamos nessa sala hipotética. Dependemos do olhar
do outro, é esse olhar que nos situa, que nos reconhece, e em última instância,
é esse olhar que nos coloca no mundo. Como é bom adentrar o espaço social tendo
alguém que nos segredou que o número que levamos é um dez, através de um reflexo
carregado de amor. O oposto é uma das grandes tragédias que o ser humano pode
enfrentar. Um olhar significativo (o da mãe, por exemplo) que indique a pouca
valia do sujeito pode destruí-lo emocionalmente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Infelizmente, muitos de nós
passam por essa experiência dolorosa e precisam, a duras penas, transformá-la.
A grande dificuldade é que as nossas primeiras experiências na vida deixam
marcas muito profundas que determinam o modo como vamos “funcionar” dali em
diante. O sujeito que foi mal visto, ou ainda pior, que foi ignorado pela mãe
guardará a experiência de não saber que “número tem nas suas costas”, ou quem
ele é no mundo. Com sorte, encontrará pela vida outros olhares que o
valorizarão, mas a priori ficará confuso, já que seu psiquismo está acostumado
a responder a partir de um lugar de desvalorização. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando observamos a delicadeza
com a qual uma criança entrega uma flor, ou um desenho, para o cuidador, a
forma como ela aguarda uma reação, vemos na prática um ser humano se
construindo a partir da interação. Vemos que é através do sopro do entusiasmo
do cuidador que a criança se põe de pé. Seguimos assim, pela vida, nos situando
uns aos outros. Há uma frase, atribuída a Ian MacLaren, que roda a internet e
que contém uma grande verdade: "Todo mundo que a gente encontra na
vida está enfrentando uma batalha da qual você não
sabe nada a respeito. Seja gentil com todo mundo.” Todos nós estamos às
voltas com esse número pregado nas costas, com a nossa identidade, com o desejo
de sermos amados e aceitos do jeito que somos. Todos nós estamos descobrindo o
jeito que somos, esperando que essa estética pessoal possa florescer. Todos nós
temos o poder e a responsabilidade de acolher e situar o outro. Esse é um presente
que a natureza nos deu: nós nos construímos. Nos cabe ter a generosidade e assumir a
responsabilidade que esse processo exige. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6381684738499493599.post-53055123833032365042014-12-15T08:32:00.003-08:002014-12-16T08:28:35.237-08:00Os Deuses.<br />
<br />
Vem, Coragem, <br />
Inflama meus gestos,<br />
Ensina-me a construir a próxima hora<br />
Enquanto espero que esse dia morra<br />
Para que eu possa renascer.<br />
<br />
Parte, Memória,<br />
Leva consigo os tantos beijos,<br />
As claras madrugadas,<br />
Leva consigo esse homem (o que fui),<br />
Meus campos de batalha.<br />
<br />
Espera um tempo e salta,<br />
Palavra adorada,<br />
Da varanda dos meus lábios<br />
Para o pátio daqueles ouvidos.<br />
<br />
Voa alto, ave palavra,<br />
E diz a ela que desde o fim<br />
Não alcancei novo começo.<br />
<br />
E o que nos resta, Liberdade,<br />
É prosseguir na trajetória dessa vida<br />
Que é única e é banal,<br />
Que caminha para o fim,<br />
Lenta ou rapidamente,<br />
A depender da dureza dos dias.Cláudia Barralhttp://www.blogger.com/profile/13486197418381782481noreply@blogger.com0