Se estivéssemos todos numa sala sem espelhos e cada um de nós levasse um número pregado nas costas, seríamos capazes de ver o número nas costas do outro, mas não seríamos capazes de adivinhar o nosso número. Para isso, precisaríamos que alguém visse e nos contasse. Estamos na vida, mais ou menos, como estaríamos nessa sala hipotética. Dependemos do olhar do outro, é esse olhar que nos situa, que nos reconhece, e em última instância, é esse olhar que nos coloca no mundo. Como é bom adentrar o espaço social tendo alguém que nos segredou que o número que levamos é um dez, através de um reflexo carregado de amor. O oposto é uma das grandes tragédias que o ser humano pode enfrentar. Um olhar significativo (o da mãe, por exemplo) que indique a pouca valia do sujeito pode destruí-lo emocionalmente.
Infelizmente, muitos de nós
passam por essa experiência dolorosa e precisam, a duras penas, transformá-la.
A grande dificuldade é que as nossas primeiras experiências na vida deixam
marcas muito profundas que determinam o modo como vamos “funcionar” dali em
diante. O sujeito que foi mal visto, ou ainda pior, que foi ignorado pela mãe
guardará a experiência de não saber que “número tem nas suas costas”, ou quem
ele é no mundo. Com sorte, encontrará pela vida outros olhares que o
valorizarão, mas a priori ficará confuso, já que seu psiquismo está acostumado
a responder a partir de um lugar de desvalorização.
Quando observamos a delicadeza
com a qual uma criança entrega uma flor, ou um desenho, para o cuidador, a
forma como ela aguarda uma reação, vemos na prática um ser humano se
construindo a partir da interação. Vemos que é através do sopro do entusiasmo
do cuidador que a criança se põe de pé. Seguimos assim, pela vida, nos situando
uns aos outros. Há uma frase, atribuída a Ian MacLaren, que roda a internet e
que contém uma grande verdade: "Todo mundo que a gente encontra na
vida está enfrentando uma batalha da qual você não
sabe nada a respeito. Seja gentil com todo mundo.” Todos nós estamos às
voltas com esse número pregado nas costas, com a nossa identidade, com o desejo
de sermos amados e aceitos do jeito que somos. Todos nós estamos descobrindo o
jeito que somos, esperando que essa estética pessoal possa florescer. Todos nós
temos o poder e a responsabilidade de acolher e situar o outro. Esse é um presente
que a natureza nos deu: nós nos construímos. Nos cabe ter a generosidade e assumir a
responsabilidade que esse processo exige.
perfeito!
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