Um Conto de Natal


A mulher e a menina entram no café de mãos dadas. Elas se sentam e rapidamente a menina escorre para debaixo da mesa. Tudo a diverte: a sujeira do chão, o pé de acrílico da mesa, o sapato da mulher. O lugar está vazio, é noite de natal e as pessoas estão em casa comendo, trocando presentes. As costas da mulher doem, a menina não pára quieta. Agora, seus olhinhos percorrem as outras mesas. A mulher sorve um café e a criança ali é o seu erro materializado. A menina é um mistério cruel. É pequenininha, o acidente, e olha o mundo atenta, como se estivesse sorrindo. O garçom traz um bolinho, a mãe grita o nome da menina, ela vem correndo, abocanha um pedaço do bolo e volta a correr. A operação ainda se repete algumas vezes. A mulher, impaciente, ordena que a menina sente para comer. De repente, de tanta agitação de vida no seu peito, a pequena desequilibra-se e cai da cadeira. Na queda ainda bate a cabecinha na quina da mesa. É a visão do filetinho de sangue que a faz gritar, o machucado mesmo não doeu. A mulher limpa a testa da criança com os guardanapos de papel. Acabou o passeio. O garçom traz a conta, olha a menina com simpatia. Ela toda vermelhinha, os olhos ainda úmidos. Quando o garçon se afasta, a mulher aproxima os lábios da orelha da menina e a voz sai seca, sincera: “Eu preferia que você não tivesse nascido.” O pequeno corpo estremece, mas é difícil dizer se ela compreendeu o sentido do que lhe foi dito, ou se apenas a música cortante da fala da mãe. Por um momento, se olham como se fossem estranhas. Eu sinto vontade de pegar a criança no colo, de lhe acariciar os cabelos, de lhe contar a história maravilhosa de uma menina que nasceu para a alegria dos pais, para salvar a humanidade. O garçom me interpela, diz que já estão fechando. Ele espera uma reação e eu peço a conta. A mulher sai do café levando a menina pela mão, mas ela liberta a mãozinha e sai correndo pela calçada. Talvez a fala da mãe não a tenha tocado, talvez ainda possa salvar-se, ou eu apenas imagino isso porque é natal e as ruas estão iluminadas. A menina desaparece ao dobrar uma esquina, vai formando-se a cada passo, metal quente, maleável. A mãe a segue fria na noite escaldante.

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