Casa de Chá


A primeira vez que ela apareceu o lugar se encheu com um aroma de flores. Isso não é uma licença poética. Ela trazia um buquê de gerânios nos braços e parecia bastante feliz.  Pediu café e sequilhos. Comeu sem pressa. Mal olhou pra mim. Partiu como um vento, que nunca mais vai voltar. Mas ela voltou duas semanas depois. Estava acompanhada. Sentaram os dois numa mesa do canto. Em algum momento trocaram um beijo rápido. Seus cabelos longos pareciam braços que lhe adornavam a cabeça e se agitavam num ritmo frenético.  Parecia que a qualquer momento ia derrubar um copo, uma xícara, uma parede. Mas conseguia achar o equilíbrio em sua exuberância e nunca quebrou nada no bar. Eu quebrei uma vez um copo, logo depois que ela me chamou pelo nome. Na quarta vez que esteve lá, não sei como, descobriu o meu nome. E ao invés de fazer o gesto simples e amigável para chamar o garçon, pronunciou meu nome, em alto e bom som. O copo que estava na minha mão caiu, imediatamente. Passei uma semana ouvindo aquele nome naquela voz dentro de minha cabeça. À noite ficava tentando lembrar exatamente como tinha acontecido, meu coração se angustiava com a possibilidade de nunca mais vê-la, ao mesmo tempo antecipava o próximo encontro. Duas semanas depois aconteceu de novo.  Ela entrou e disse, sem me olhar nos olhos: Tudo bem? Não lembro o que respondi. Meus dentes são feios, não gosto de falar muito. Fiquei incomodado, ela percebeu. Nunca mais falou comigo. E voltava sempre pedindo café, guaraná, sanduiche, salada, pão, suco. Experimentava o cardápio inteiro. Nem sempre sentava numa das mesas que eu atendia, aí quem tirava o pedido dela era Maria Luíza, a outra garçonete. Eu sempre perguntava, como quem não quer nada: Qual o pedido da mesa 18? Qual o pedido da mesa 14? Eu me interessava muito pelo quê ela comia. Dá pra conhecer bastante uma pessoa por suas preferências alimentares. Um dia Maria Luíza me confrontou: Por que você anda tão interessado nos pedidos daquela moça? Eu desconversei. Maria Luíza não percebeu mais nada. Um dia falou: Você repara como essa moça sempre vem aqui sozinha? Coitada... Eu disse que só reparava o meu serviço. Não era verdade. Eu sempre reparei nas mulheres, em todas. As que entravam, as que passavam pela porta da lanchonete, todas.  Mas isso foi mudando... Depois que comecei a reparar na mocinha solitária, todas as outras perderam o encanto. Todas eram iguais, e somente ela era ela. Então aconteceu que um dia ela entrou muito séria, eu fui tirar o segundo prato e ela me olhou nos olhos: Eu estou esperando alguém. Eu pensei que era uma amiga, mas não era.   E ele chegou logo depois.  Era uma conversa grave, os olhos dela escureciam.  Então começou a chorar. Não era eu quem atendia a mesa em que eles estavam, mas me aproximei para ver se ouvia alguma coisa. Meu coração estava apertado. Eles falavam sobre uma criança, uma criança que não viria ao mundo. Eu quis ter um filho com ela, era tudo o que eu queria naquele momento. Ele se levantou, deixou um dinheiro na mesa e partiu. Eu queria dizer alguma coisa, mas meus dentes estão estragados, eu não tive coragem.  Eu andava economizando um dinheiro para arrancar meus dentes podres e colocar novos no lugar. Eu ia começar o tratamento aquela semana. Mas naquela semana ela foi embora e nunca mais voltou.

Um comentário:

  1. Porquinho-da-índia,

    Coisa mais triste e bonita esse texto. Lindo, muito mesmo. E muito triste. O nunca mais é triste demais, mãe.

    Beijos de amor,

    Nanda.

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