Sobre envelhecer


Esse tempo que não chega para todos, quando já não posso mais ser tudo, quando compreendo que a terra do plantio é escura, úmida, fria, quando compreendo que nem toda planta vingará. O tempo da velhice, quando já devo saber escolher, quando já devo saber esperar, quando já devo ter aprendido a aceitar a morte. E se a minha vista por um lado escurece, por outro lado já enxergo os trâmites do jogo do mundo. A inocência cede lugar à sabedoria. A paciência substitui a excitação. Busco a grandeza nesse tempo que me falta. O tempo que é o único luxo.

Amor


É o amor com suas velhas mortalhas, suas canções, suas luzes.
É o amor e seus murmúrios.
O amor sob o céu, numa noite perfumada.
O amor, ainda.
O amor sem marcas como um rosto novo.
O alimento que os pássaros disputam também é amor.
O amor tem seus precipícios, é azul e branco.
O amor chega a passos lentos, ao cair da tarde.
O velho amor.
O amor pavimenta as ruas, ergue os edifícios.
É o amor e seus novos vícios, a abolição do passado.
O amor me mata, tranquilo, cruel, óbvio, cru.
O amor ainda é todos os dias a grande novidade.
E quando eu penso em voltar, isso também é amor.
O amor de nós exala, como um perfume barato.
O amor também é a pérola, a flor no cume da montanha,
Inalcançável, raro, raríssimo.

Concreto Armado



Vejo o homem esmagado pelo sonho,
Amargo sonho atravessado na garganta.
O homem quis a glória, mas não viu a glória.
O homem quis o filho, mas não veio o filho.
Ah, que essa vida mata,
Essa dor não passa.
Não somos mais que pássaros
Sonhando ser estrelas
E cada uma das estrelas
Pensa ser o sol.

Ausência


Há sempre algo que falta
Mas nem tudo é ausência.
Ainda há o algo que queima,
Algo que invade,
Algo que teima.

Sobre Parar de Fumar


Me despeço do cigarro como quem se despede de um amigo. Silencioso, elegante no seu fraque branco.  
Fumar sempre foi dar uma pausa na existência, um suspiro de alma.  Agora me vejo querendo ser livre do vício, esse vício que destrói (sem um pouco de destruição, nada se cria) e ganho o concurso, não sei o que fazer com o prêmio.
É que na minha idade já se começa a deslumbrar o dia em que a ambição não é mais dinheiro ou glória, mas conseguir ir ao banheiro sozinha.  Paro em nome do futuro, essa coisa que chega desapercebida, que talvez não exista.
 Abdico do cigarro em nome de outro amor maior. Nossa despedida é dolorosa.
Na verdade, eu nunca gostei de fumar, disfarçava o gosto com um cafezinho. Mas eu gostava dessa mistura: Um trago, um gole, um amargo, um amargo mais doce.  Parece tanto com a vida.