Sementes


Ser mulher é sangue e espera.
Também vem de outras formas: a delicadeza,
os mistérios das carnes,
a voluptuosidade.
Ser mulher é caminhar os subterrâneos, embrenhar-se,
Voltar ao sangue: O vermelho sem economias,
os azeites,
o céu de maio em contraponto com a água,
a capa da menina,
o morango, a melancia,
os olhos da besta fera,
as línguas.  

As Três Palavras Mais Estranhas - Wislawa Szymborska




Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.



Wislawa Szymborska
Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves

Incompletude


Aquele sonho de nós dois,
o leite do meu medo derramado. 
Teu olho no meio da testa enxerga o infinito,
eu sou o oposto:
Os olhos fechados do morto,
A estrada deserta, os avessos, o sertão, o samurai.  
Eu, tanta vezes abandonado em minha solidão matinal, leve como edifícios tombando;
A solidão noturna, clara como olhos escuros.
Aquele sonho perdido de nós dois, onde você dança piruetas no ar e eu canso.
Aquele sonho terrível de nós dois, onde você fere como foi ferida e eu manso.
Você inteira e eu aos pedaços.



Claudia Barral 

Canção de Reencontro




Quero cantar outra vez aquela nossa canção,
Eu chegando cansado e você tão sã.
Ainda é cedo pro nosso encontro, ainda temos tempo
Desvendar essas tardes ou anoitecermos,
Caminhar esses pátios, dobrar essas esquinas,
Percorrer os palácios, aprender nossos caminhos,
Todas as nossas partes.

Quero lembrar outra vez aquele nosso refrão,
Eu chegando tão só e você cansada.
Ainda somos meninos, ainda temos tempo
De cumprir nossa parte,
Percorrer avenidas, enfrentar tempestades,
Desbravar esses mares, essa nova cidade, a vida,
Nos perder nos mesmos velhos lugares, desaprender os caminhos.



Cláudia Barral 

Desejo

A música que eu busco e não existe,
quente, seca, triste,
crianças se agitam como folhas,
a moça passa rindo e não me olha.

A música que eu busco e que me dói,
seu som assa os pães na alvorada,
o medo que eu tenho e sempre tive de dormir e acordar e ainda ser noite.
                                                                               

A música que eu quero e que me falta,
o silêncio dos seus olhos cristalinos,
estar completa rodeada de ausências,
os portões da minha terra que se abrem e se fecham ao simples toque de uma mão.

A música que antecipo, mas não escuto
quando caminho solitário pela noite,
quando penso nos amores que perdi,
quando conto quantos anos ainda tenho ou os que me faltam.

A música que escuto, mas não danço,
a cidade mais em mim do que no mapa,
as lembranças que eu trago e formam (e deformam) o meu corpo.


Claudia Barral 


A Lista



A falta, a fala, a lacuna,

a sombra,

a tarde infeliz,

as árvores que envelhecem... não, as árvores estão cheias de vida,

você, o único a saber,

a solidão,

meu nome desconhecido, quem supõe que me conhece,

quem lê essas linhas e as interpreta,

todos os que partiram,

um deus tri partido,

um animal de chifres,

o silêncio que descaracteriza a mentira,

a verdade que habita o silêncio,

uma tela de Frida,

um barco naufragado,

as escadas desertas na fotografia,

sua ausência,

a chuva... não, a chuva está cheia de vida,

o fim,

o telefone mudo,

as distâncias,

o grito pálido,

o fracasso,

o fim,

as palavras amargas e inúteis.