Ouço
os gritos vindos da sala. Ouço um barulho difuso. Enquanto me dirijo pro local,
já vou pensando que, dependendo da magnanimidade do acidente, teremos que ir ao
hospital que é super contaminado então, meu Deus, que não seja nada grave, o
clima é de pandemônio, com o perdão do trocadilho, em meio à pandemia.
A
cena, quando entro na sala é a seguinte: a menina vestida de shorts jeans e
blusa cinza, muito ofegante, diante de um pássaro cinza, também muito ofegante.
Estão um em frente ao outro, são muito parecidos: pequenos, frágeis, frescos. É
quase como se a alma da criança tivesse se desdobrado em pássaro. A menina percebe que eu entrei na sala e me
diz, em tom mais baixo, discreto.
-
Socorro.
-
Ele não faz mal.
Sem
o filtro do susto, a menina olha novamente para o pássaro. Estuda. Agora somos
três confinados, sem poder voar. A menina e eu estamos lutando com os dias,
trabalhando a nossa resiliência, alternando os nossos sintomas. Todo pássaro é
um pássaro. Já uma pessoa é um livro de histórias. Em mim, a claustrofobia
começa a dar sinais a cada manhã mais claros, mais incontornáveis. Penso no mar
com desejo, com saudade. A menina experimenta suas várias idades, cresce e me explica
cientificamente como se comportam os vírus, depois volta a ser um bebê no meu
colo. Vive seus vários tempos. As crianças vivem o tempo todo. E também gostam
de ficar no ninho. Somos nós, os adultos que devemos lhes dizer:
-
Tem que escancarar essas janelas!
O
marido vem como se entendesse tudo: o pássaro entrou pela janela sem querer.
Ele pode sair, nós ainda não.
O
marido abre a janela ruidosamente: vento, vento de outono. O pássaro vai
embora, voa. Nós três nos olhamos. Já sabemos o que é o amor: ventania. Já, já
chega a nossa vez. Nós também sairemos, em breve. Mais fortes.
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