O Pássaro

 

- Socorro, socorro!

Ouço os gritos vindos da sala. Ouço um barulho difuso. Enquanto me dirijo pro local, já vou pensando que, dependendo da magnanimidade do acidente, teremos que ir ao hospital que é super contaminado então, meu Deus, que não seja nada grave, o clima é de pandemônio, com o perdão do trocadilho, em meio à pandemia.

A cena, quando entro na sala é a seguinte: a menina vestida de shorts jeans e blusa cinza, muito ofegante, diante de um pássaro cinza, também muito ofegante. Estão um em frente ao outro, são muito parecidos: pequenos, frágeis, frescos. É quase como se a alma da criança tivesse se desdobrado em pássaro.  A menina percebe que eu entrei na sala e me diz, em tom mais baixo, discreto.

- Socorro.

- Ele não faz mal.

Sem o filtro do susto, a menina olha novamente para o pássaro. Estuda. Agora somos três confinados, sem poder voar. A menina e eu estamos lutando com os dias, trabalhando a nossa resiliência, alternando os nossos sintomas. Todo pássaro é um pássaro. Já uma pessoa é um livro de histórias. Em mim, a claustrofobia começa a dar sinais a cada manhã mais claros, mais incontornáveis. Penso no mar com desejo, com saudade. A menina experimenta suas várias idades, cresce e me explica cientificamente como se comportam os vírus, depois volta a ser um bebê no meu colo. Vive seus vários tempos. As crianças vivem o tempo todo. E também gostam de ficar no ninho. Somos nós, os adultos que devemos lhes dizer:

- Tem que escancarar essas janelas!

O marido vem como se entendesse tudo: o pássaro entrou pela janela sem querer. Ele pode sair, nós ainda não.

O marido abre a janela ruidosamente: vento, vento de outono. O pássaro vai embora, voa. Nós três nos olhamos. Já sabemos o que é o amor: ventania. Já, já chega a nossa vez. Nós também sairemos, em breve. Mais fortes.


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